Entenda o Transtorno do Espectro Autista

Há um crescente interesse e necessidade em compreender os transtornos que nos cercam, e hoje iremos abordar um deles: O Transtorno Espectro Autista. É imprescindível que tenhamos intimidade com as diretrizes que abordam a temática, para contribuirmos com a educação direta ou indireta de nossas crianças, como família ou sociedade, pois todos somos componentes desse universo social, que atua de forma vívida no cotidiano das nossas crianças. Neste artigo, pretendemos de forma geral e imparcial; esclarecer o que á o TEA, bem como seu diagnóstico e as formas de intervenções existentes.

O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do desenvolvimento neurológico, caracterizado pelo comprometimento das habilidades sóciais, de comunicação e comportamentais; nos quais podem aparecer de formas e intensidades variadas. Pode surgir antes, durante ou logo após o nascimento; as diferenças podem existir desde o nascimento e serem óbvias; ou podem ser mais sutis e tornarem-se mais visíveis ao longo do desenvolvimento. Pode ser associado com deficiência intelectual, dificuldades de coordenação motora e atenção; podendo ocorrer problemas de saúde física, como distúrbios do sono e gastrointestinais; e podem apresentar síndrome de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia ou dispraxia.

Na adolescência podem desenvolver ansiedade e depressão. Algumas pessoas podem ter dificuldades de aprendizagem em diversos estágios da vida, desde estudar na escola, até aprender atividades da vida diária. Algumas poderão levar uma vida relativamente “normal”, enquanto outras poderão precisar de apoio especializado ao longo de toda a vida.

Possuem formas de sensibilidade sensoriais mais aguçadas. Podem não sentir dor ou temperaturas extremas. Agitar as mãos para criar sensação, ajudar com o balanço e postura; para lidar com o stress ou ainda, para demonstrar alegria. Sensibilidade sensorial pode dificultar o conhecimento adequado de seu próprio corpo. Consciência corporal é a forma como o corpo se comunica. Um bom desenvolvimento do esquema corporal pressupõe uma boa evolução da motricidade, das percepções espaciais e temporais, e da afetividade.

Destacam-se em habilidades visuais, música, arte e matemática. Aproximadamente 65% têm algum nível de deficiência intelectual. Os indivíduos com autismo leve, apresentam faixa normal de inteligência. E cerca de 10% têm excelentes habilidades intelectuais para a sua idade.

A partir do último Manual de Saúde Mental, o Autismo e todos os distúrbios, incluindo o transtorno autista, transtorno desintegrativo da infância, transtorno generalizado do desenvolvimento não-especificado e Síndrome de Asperger, fundiram-se em um único diagnóstico: Transtornos do Espectro Autista – TEA. No Qual, afeta 1% da população, sendo a maioria homens. Acredita-se que fatores ambientais, como infecções ou uso de determinados medicamentos durante a gestação, tenham papel em seu desenvolvimento, estima-se que seja hereditário em cerca de 50% a 90% dos casos.

O diagnóstico durante os anos pré-escolares é muito raro, isso se deve à falta de conhecimento sobre o desenvolvimento normal de uma criança, em particular, na área da comunicação não-verbal. As preocupações dos pais e dos profissionais recaem mais no atraso da fala da criança do que no comportamento. Atrasos no diagnóstico atrapalham o desenvolvimento de estratégias de comunicação efetivas, em um estágio precoce auxiliam a prevenir o comportamento diruptivo.

As crianças já começam a demonstrar sinais nos primeiros meses de vida: elas não mantêm contato visual efetivo e não olham quando você chama. A partir dos 12 meses, elas também não apontam com o dedinho. No primeiro ano de vida, demonstram mais interesse nos objetos do que nas pessoas.

O diagnóstico do autismo é clínico, feito através de observação direta do comportamento e de uma entrevista com os pais ou responsáveis. Os sintomas costumam estar presentes antes dos 3 anos de idade, sendo possível fazer o diagnóstico por volta dos 18 meses de idade. O diagnóstico preciso não é uma tarefa fácil, pode haver problemas para distinguir crianças autistas de não-verbais com déficits de aprendizado ou prejuízo da linguagem. No entanto, aos 3 anos, as crianças tendem a preencher os critérios. Atualmente, existem vários instrumentos que podem ser utilizados em crianças em diferentes estágios da vida, tais como: Checklist for Autism in Toddlers (CHAT); Pervasive Developmental Disorders Screening Test (PDDST); Screening Tool for Autism in two year old, Checklist for Autism in Toddlers-23 (CHAT-23) e Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT).

O TEA possui 3 níveis diferentes de intensidade:

Nível 1 – Exige acompanhamento: Dificuldade para iniciar interações sociais, podem aparentar pouco interesse. Dificuldade em trocar de atividade. Problemas para organização e planejamento são obstáculos à independência.

Nível 2 – Exige acompanhamento moderado: Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal. Inflexibilidade do comportamento, dificuldade de lidar coma mudança, comportamentos restritos/repetitivos aparecem com frequência. Sofrimento/dificuldade para mudar o foco ou as ações

Nível 3 – Exige acompanhamento intenso: Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal causam prejuízos graves de funcionamento, limitação em iniciar interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais que partem de outros. Inflexibilidade de comportamento, extrema dificuldade em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos interferem acentuadamente no funcionamento em todas as esferas. Grande sofrimento/dificuldade para mudar o foco ou as ações.

Sobre os tratamentos farmacológicos, encontra-se em alta a 10 anos no mercado, os antipsicóticos atípicos (AAPs) são um grupo de fármacos originalmente desenvolvidos para tratar psicose. Os medicamentos nesse grupo incluem a clozapina, a risperidona, a olanzapina, a quetiapina, a ziprazidona e o aripiprazol. Os sintomas-alvo incluem agressão, automutilação, destruição de propriedade ou crise de ira. Oferecem vantagens particulares, possuem menor risco de induzir efeitos colaterais neurológicos de curto prazo, como Parkinsonismo, e talvez discinesia tardia no longo prazo. Além disso melhoram os sintomas “negativos” da esquizofrenia.

Na intervenção multidisciplinar, o planejamento do tratamento deve ser estruturado de acordo com as etapas de vida do paciente. Com crianças, a prioridade deveria ser terapia da fala, interação social/linguagem, educação especial e suporte familiar. Com adolescentes, os alvos seriam os grupos de habilidades sociais, terapia ocupacional e sexualidade. Com adultos, questões como moradia e tutela, e que, infelizmente, além de quase inexistentes, não possuem estrutura ou quantidade adequada para a demanda, gerando preocupação nos familiares, sociedade e membros da área da saúde.

Há uma variedade de serviços disponíveis, desde aqueles com abordagens individuais, até aqueles compostos por clínicas multidisciplinares. A eficácia do tratamento depende da experiência e conhecimento dos profissionais; e da habilidade de trabalhar em equipe e com a família.

Existe quatro alvos básicos de qualquer tratamento: 1) estimular o desenvolvimento social e comunicativo; 2) aprimorar o aprendizado e a capacidade de solucionar problemas; 3) diminuir comportamentos que interferem com o aprendizado e com o acesso às oportunidades de experiências do cotidiano; e 4) ajudar as famílias a lidarem com o autismo.

Crianças com grande déficit em sua habilidade de comunicação verbal podem requerer alguma forma de comunicação alternativa. A escolha apropriada do sistema depende das habilidades da criança e do grau de comprometimento. Sistemas de sinais e figuras que estimulam habilidades cognitivas, linguísticas ou de memória. Em geral, o foco está em ativar encorajar a interação.

A respeito da necessidade da frequência do aluno em escola especial ou não, ainda deve ser tratada de forma individual, focando nas necessidades e potencialidades da criança. Alguns estudos sugerem que, com educação apropriada, as crianças são mais capazes de utilizar as habilidades intelectuais que possuem. Há evidência de que prover educação formal de forma precoce, a partir dos 2 aos 4 anos, aliada à integração de todos os profissionais envolvidos, é a abordagem terapêutica mais efetiva.

A respeito dos comportamentos desafiadores (comportamentos agressivos, autodestrutivos), alguns estudos demonstraram que possuem funções comunicativas sociais importantes, que são: indicar a necessidade de auxílio ou atenção; escapar de situações ou atividades que causam sofrimento; obter objetos desejados; protestar contra eventos/atividades não-desejados; obter estimulação.

Há abordagens que podem auxiliar a reduzir esses comportamentos ensinando a criança a utilizar meios alternativos de comunicação. É importante que a modificação seja feita gradualmente, sendo a redução da ansiedade e do sofrimento o objetivo principal.

Parece que o treinamento de habilidades sociais é mais eficaz quando realizado em uma situação específica, pois cada situação exige uma resposta social diferente. O resultado das intervenções em grupos de habilidades sociais tende a ter efeito mais limitado, devido às dificuldades da criança em generalizar as habilidades adquiridas.

Há evidência de que o autismo impacta na família, e a sobrecarga está afetando principalmente as mães. Elas estão apresentando estresse maior do que os pais, bem como, depressão, insônia e ansiedade. O fornecimento de suporte aos pais é crucial, pois as doenças parentais podem afetar a criança. Essas doenças podem estar relacionadas à incerteza do diagnóstico, tratamento e prognóstico; transições evolutivas; dificuldades prévias; maiores jornadas de trabalho; e ambiguidade intrafamiliar e social.

Os profissionais que trabalham com as famílias podem auxiliá-las a avaliar os fatores emocionais e os recursos para solucionar problemas. As famílias podem ser ajudadas a serem mais resilientes, variam quanto ao tipo de suporte e informação de que necessitam. É importante reconhecerem a frustração, a raiva e a ambivalência de seus sentimentos como um processo normal; ensinar técnicas de manejo com a criança e prover informações; e principalmente aconselhar os pais sobre as vantagens e desvantagens relativas a diferentes tratamentos.

Concluímos que a partir do direcionamento correto, com o aparato e suporte de profissionais podemos atuar para tornar nosso espaço comum em um lugar feliz e inclusivo; começado pela compreensão, compaixão e paciência, e que seja recíproco. A busca pelo conhecimento é um grande passo para quebrar tabus e preconceitos, nos quais se sustentam pela desinformação. A escolha do tratamento adequado é uma escolha intima de cada família, de acordo no que acreditam e as informações que buscam, é sempre importante ouvir mais de uma opinião. Sabemos que, se tratando do poder público, poderá haver lacunas a serem preenchidas, e poderá faltar esclarecimento para as famílias em risco social e tratamento suficiente para os pacientes.

 

Referências

Autor desconhecido. O que é Autismo ou Transtorno do Espectro Autista. 2010. Disponível em: <autismo.institutopensi.org.br/informe-se/sobre-o-autismo/o-que-e-autismo/>

Oliveira G. K. e Setié L. A. Transtornos do espectro autista: um guia atualizado para aconselhamento genético. 2017. Disponível em: <scielo.br/pdf/eins/v15n2/pt_1679-4508-eins-15-02-0233.pdf>

N. Roumen, J. Jacob e S. Lawrence. Revista Brasileira de Psiquiatria. Autismo: tratamentos psicofarmacológicos e áreas de interesse para desenvolvimentos futuros. 2006. Disponível em: <scielo.br/pdf/rbp/v28s1/a06v28s1.pdf>

B. A. Cleonice. Revista Brasileira de Psiquiatria. Autismo: intervenções psicoeducacionais. 2006. Disponível em: <scielo.br/pdf/rbp/v28s1/a07v28s1.pdf> Autor Desconhecido. Diagnóstico do Autismo. 2010. Disponível em: <autismo.institutopensi.org.br/informe-se/sobre-o-autismo/diagnosticos-do-autismo>

N. C. I. Maria. Revista técnica Aristides Volpato Cordiolo, 5ª edição, Porto Alegre, RS. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM 5. 2014. Disponível em: <ama.org.br/site/diagnostico.html>

 

 


Lícia Marchiori Crespo

Graduada em Hotelaria pelo SENAC, Águas de São Pedro/SP. Cursando o 4º Período de Psicologia pela UNIP, Vitória/ES. Atuou como docente de Hotelaria, SENAC/ES, 2014. Desde 2013, atua em consultorias e treinamentos para Meios de Hospedagem e A&B. Trabalha como voluntária e idealizadora de projetos sociais, nacionais e internacionais, desde 2005.

 

 

TVI24: Dez respostas sobre o autismo

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Foto: pexels

A TVI24 falou com a diretora da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger, para saber como compreender e lidar com os autistas

Comportamentos repetitivos, dificuldade de comunicação verbal e não-verbal, no relacionamento social e na autorregulação emocional e isolamento podem ser alguns dos sintomas de alguém com autismo.

Se conhece alguém com estes “sintomas”, a TVI24 encontrou respostas para esclarecer as suas dúvidas, numa entrevista a Patrícia de Sousa, diretora técnica da Casa Grande daAssociação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA).

A APSA tem vindo a organizar por todo o país uma palestra intitulada “Bullying no Autismo”, onde pretende sensibilizar as pessoas para a doença e as implicações sociais.

O que é o autismo?

“O autismo é uma perturbação do neurocomportamento, onde há handicap na socialização e interação pessoal e os padrões de comunicação. As pessoas têm interesses intensos e específicos e comportamentos estereotipados e ritualizados.”

Quais as causas desta perturbação?

“É uma alteração que há de base neurológica, porém, ainda não temos marcadores genéticos. Sabemos que é genético, tanto que há uma propensão de familiares, de sexo masculino, maioritariamente. Os pais ou os avós já terão algumas características. O que não quer dizer que tenham a doença, esta pode ser eminenciada de forma muito terceira, mas com um padrão ou um funcionamento diferencial.”

Quais são os principais sinais?

“Os autistas são pessoas que têm dificuldade de socialização e de interação social. Têm tendência a falar das coisas que sabem muito e dos seus interesses, descurando o interlocutor. Normalmente, têm uma rigidez de pensamento, não flexibilizando o que vai trazer alguma perturbação na vida social e diária das pessoas e das relações que se vão fazendo. São pessoas que, à partida, gostam de rotinas e são muito suscetíveis a mudanças, podendo apresentar um contacto ocular fugaz ou diferenciado. Quando tocam no outro ou quando são tocados, podem mostrar alguma falta de empatia. Têm muitas dificuldades em entender metáforas ou segundos sentidos. Podem adotar uma postura muito sarcástica ou um humor excecional, devido à incompetência que têm e, portanto, podem camuflar as suas relações pessoais.”

Como ter a certeza que a pessoa tem autismo?

“É uma avaliação que, nós, psicólogos, médicos, que trabalhamos nestas áreas, facilmente fazemos, contudo não deve fazer-se estes diagnósticos com facilidade. É uma perturbação que não é avaliada com testes, não há marcadores, portanto é feita através da relação, do contacto, da observação em diferentes contextos, em diferentes entrevistas e, minuciosamente, vamos estudando tudo o que vamos observando e vendo, seguindo pelos critérios, os sinais e sintomas que vão surgindo. Portanto em criança é controverso, mas é importante ter um diagnóstico precoce para podermos intervir, sendo que a intervenção precoce é muito importante, mas também não é possível fazer destes diagnósticos um dado adquirido, quando a pessoa na sua primeira infância ainda não tem maturado a sua comunicação e a sua própria noção de relação interpessoal, portanto tem de dar-se esse tempo para determinadas maturações. É muito antagónico, porque dar tempo também é sinónimo de atraso, portanto não é isso o desejado.”

O distúrbio é mais frequente em homens ou mulheres?

“O distúrbio é mais frequente em homens: em cada quatro ou cinco homens, existe uma mulher que tem autismo. Geralmente, no desenvolvimento neurológico, há sempre mais propensão para o sexo masculino ter desvios.”

Como é a vida profissional de um autista?

Primeiramente, nem todos os autistas conseguem ter uma profissão, porque para ter-se uma profissão é preciso passar-se por uma entrevista de trabalho, onde são avaliadas as competências sociais das pessoas. Portanto, estas pessoas, logo aí, são postas de parte ou não são entendidas. Depois, as que conseguem entrar no mercado de trabalho é porque cognitivamente são insígnias naquilo que fazem e facilmente entram na integração e na inclusão porque realmente são masters, são muito boas naquilo que fazem e por isso são um bem precioso para a empresa e para entidade e estes aceitam aquela peculiaridade e aquela estranheza de comportamento.

Um autista consegue ter um relacionamento amoroso?

“Claro que sim, temos pessoas autistas casadas. Mas isto não é sinónimo que seja fácil. Também não é sinónimo de que haja uma grande percentagem de pessoas autistas casadas, há quem ainda não seja casado, mais isso também tem a ver com os níveis de funcionalidade. Se tivermos a falar de pessoas com questões sindromáticas e que podem ter alguns sinais e sintomas e que são muito funcionais, facilmente esta funcionalidade também vai transferir-se na sua relação pessoal e amorosa. Poderão ter família e namoradas. Mas, obviamente, no autismo há outros níveis de funcionalidade e outras patologias que são severas.”

Como lidar com alguém com Síndrome de Asperger?

“As pessoas têm que entender que se trata de pessoas que têm uma inabilidade e inaptamente não têm uma predisposição para as relações interpessoais, têm padrões de comunicação diferenciados e têm exigências de ritmos e de rituais e rotinas. Para eles é muito organizador. Assim sendo, o que eu aconselho é que as pessoas respeitem estas rotinas, tentem entendê-las, se forem funcionais, para arranjar mecanismos de adaptação e de alteração e que acima de tudo utilizem um discurso claro, sistemático, com pouco floreados e que tudo o que tenham de fazer no seu dia a dia haja um calendário, uma ficha pessoal e acima de tudo que haja uma previsibilidade. Tem de avisar-se as pessoas com autismo com antecedência, porque aquilo que para nós é óbvio, para eles é importante formalizar com antecedência para contarem com esta mudança.”

Quais as principais iniciativas de inclusão?

“Nós, enquanto APSA e como associação que trabalha com jovens e adultos com Síndrome de Asperger nível um, as iniciativas são muitas – esclarecimento e tradução de livros, acompanhamento e, neste caso, já de intervenção através do projeto da Casa Grande de jovens adultos. Ações nas escolas, apoio às famílias, acompanhamento efetivo às famílias, apoio logístico, social e até jurídico e sistemas de mais-valia para enquadrar estas pessoas. Temos uma panóplia de iniciativas e de projetos a que nos candidatamos para desenvolver com os jovens, intervenções, divulgar, prevenir, atuar para mudar comportamentos e para estarmos disponíveis, para acima de tudo não estigmatizar estas pessoas e potencializar as suas competências.”

Como evitar o “Bullying no Autismo”?

“Se entender o autismo e entender as características daquela pessoa com autismo, porque cada pessoa tem individualidade, não há duas pessoas iguais, como também não há dois autistas iguais. As pessoas são pessoas e, acima de tudo, são pessoas com autismo e portanto há que fazer este levantamento do perfil, perceber o que é inerente ao comportamento, o que é inerente às relações comportamentais, o que é inerente à comunicação e aos desajustes e à compreensão do meio. Deve tentar fazer-se a legenda do meio, para evitar a ansiedade. Se a pessoa estiver menos ansiosa, como qualquer um de nós, consegue gerir melhor o meio. Nas questões práticas do autismo, é quando se percebe que há determinadas características que eles têm por excesso ou por defeito. Se calhar, para um professor, na sua ingenuidade, obviamente que isso é muito atrativo para o bullying, portanto se as escolas estiverem munidas destas informações vão ter uma atitude também de prevenção, vão conseguir através dos pares, pois os pares é que têm de ser informados e têm de trabalhar ao lado das pessoas com autismo, numa atitude de não bullying.”

Fonte: TVi24

Entrevista do DN com Christopher Gillberg sobre autismo

“Um caso severo de autismo nunca é só isso”

 

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Post in: dn.pt

O pedopsiquiatra Christopher Gillberg, pioneiro na investigação sobre esta condição esteve em Lisboa para participar no congresso internacional do CADin. Ao DN falou do seu trabalho e do que pode ser feito para melhorar a vida destas pessoas

O diagnóstico de autismo ainda não é exatamente fácil. Porquê?

Porque pode apresentar-se de muitas formas diferentes desde o primeiro momento. Pode afetar as capacidades motoras precoces ou causar atrasos na linguagem ou generalizados, ou apresentar-se através de reações exacerbadas a estímulos sonoros, por exemplo e portanto, torna-se difícil no início dizer, isto é autismo. É sobretudo importante olhar para o desenvolvimento da criança como um todo. Para um pai, algo de preocupante no desenvolvimento da sua criança que se prolongue no tempo, por exemplo, durante mais de seis meses, deve levá-lo a procurar um especialista que observe a situação.

Foi um dos pioneiros na investigação nesta área. O que o interessou no autismo?

Comecei por fazer investigação em défice de atenção e hiperatividade, mas ainda os anos de 1970, comecei a verificar que algumas destas crianças tinham problemas desse tipo. Nessa altura, o autismo era coisa muito misteriosa, que as pessoas acreditavam em geral que era causado por uma mãe que rejeitava o filho. Eu tinha a meu cargo essa área também e conheci todos aqueles pais que não encaixavam nesse padrão e fiquei interessado em perceber o que estava realmente a passar-se. Naquela época quase ninguém fazia investigação em autismo. Tive sorte de conseguir financiamento para trabalhar na área e tornou-se logo claro desde os primeiros trabalhos que que há uma série de problemas nesta condição que não podem ter a ver com o facto de a mãe ser distante ou algo desse género.

Quatro décadas depois dessas investigações, o autismo ainda está envolto em mistério?

Sim, mas já não é tão misterioso como as pessoas ainda pensam que é. O autismo não é uma doença, embora algumas doenças possam causar autismo. Mas isso também é verdade para o défice de atenção, que não é uma doença, ou um problema cognitivo, que também não é doença. O autismo é uma condição. Muitas pessoas, talvez sete a 10% da população em geral, são do tipo autístico: são menos interessadas em interações sociais, preferem estar sozinhas a conviver e poderão falar dos seus próprios interesses mas, em geral, não querem dos seus interesses das outras pessoas. Eventualmente, uma cada dez pessoas é assim. Dentro desse grupo, os seus filhos, se algo mais acontecer, como uma infeção grave durante a gravidez, ou uma insuficiência de vitamina D, por exemplo, ou a toma de alguma medicação, terão mais probabilidade de ter autismo acompanhado de problemas ou distúrbios, se outra doença acontecer. Será então autismo, porque há essas características, mas são os outros problemas que lhe estão associados que são mais importantes, como os que afectam a linguagem, por exemplo. Isso é mais importante do que ser um pouco estranho do ponto de vista social, mas as pessoas concentraram-se tanto na questão da sociabilidade, que isso acabou por ficar um pouco de lado.

O que está na origem de uma personalidade autista? Podemos dizer que isso radica no cérebro?

Sim, tudo está representado no cérebro, em termos de comportamento e de cognição. As pessoas nascem um pouco, muito, ou nada dentro do espectro do autismo. Mas há este equívoco de que o autismo explica os problemas de linguagem, o atraso motor, o baixo QI, ou a epilepsia, mas não é assim. Esses problemas surgem para lá do autismo. O problema não é o autismo, mas cada um dos problemas por si.

Muitas crianças são hoje diagnosticadas com défice de atenção. De repente parece uma epidemia. Como é que isso se explica?

Antes não dispúnhamos desse diagnóstico, não se sabia o que era mas certamente haveria tantos casos como hoje. Hoje quando uma criança é diagnosticada com autismo, por exemplo, o autismo em si é leve, e são os outros problemas associados que são o verdadeiro problema. Mas o diagnóstico de autismo é importante porque isso garante que os pais e a família têm acesso a apoio. Mas, feito um diagnóstico de autismo, é importante pensar nos outros problemas que podem estar associados e para os quais muita coisa pode ser feita em termos de intervenção e que produz melhoras. Por exemplo, há uma variedade de terapias excelentes para tratar sintomas de défice de atenção, desde o treino de memória nas crianças mais pequenas a intervenções na área do desporto, como as artes marciais.

E se a criança em causa não falar sequer? Há casos severos de autismo em que isso acontece.

Se o problema for o autismo, não há um problema de linguagem real, a menos que haja um problema severo de linguagem, para além do autismo. O autismo em si não tem a ver com a linguagem. Não conseguir falar, não é causado pelo autismo. Portanto, aí é necessário intervir especificamente no problema da linguagem. Mas também é preciso dizer que haverá sempre crianças que não chegarão a falar porque têm disfasia, são raros, mas existem e faça-se o que fizer, nunca chegarão a falar. Mas alguns deles poderão aprender a comunicar através de algum dispositivo.

As sociedades modernas estão hoje mais preparadas para lidar com este tipo de problemas?

Estão. Hoje, desde logo, sabe-se mais sobre o assunto, as pessoas ouviram falar, conhecem e aceitam que esses problemas existem.

O que é preciso ainda estudar para compreender melhor este tipo de condição e os seus problemas associados?

Há um subgrupo de pessoas no espectro do autismo, por exemplo, que têm um problema específico: não conseguem reconhecer a expressão facial das emoções e, portanto, não conseguem decifrar as emoções no rosto das outras pessoas. Essa capacidade é representado numa área particular do cérebro, que no caso dessas pessoas não está a funcionar bem. É a área fusiforme do cérebro, que é altamente especializada nessa função. Se ela tiver uma malformação ou estiver destruída por um tumor, ou tiver sido danificada por causa de uma infeção – sabe-se que o herpes pode afetar especificamente esta área – não é possível aprender a fazer esse reconhecimento, ou deixa de se conseguir fazê-lo. Este é um problema comum em pessoas com autismo e não acontece noutras situações. Este grupo precisa de uma abordagem específica, para treinar esta capacidade, porque talvez a pouca função que tenham possa ser treinada se a intervenção for suficientemente precoce. Sabemos de outras condições que, se as intervenções forem suficientemente precoces e focalizadas, é possível obter grandes melhoras.

Quando fala de intervenção precoce refere-se a que idades?

A minha esperança é que nos próximos anos estes problemas possam ser reconhecidos em idades tão precoces como o ano meio. Por exemplo, para os dois anos temos uma nova aplicação com rostos esmiles em as crianças têm de aprender a identificar as emoções. E conseguimos demonstrar que o que acontece na aplicação refete-se nesta área do cérebro. Se pudermos fazer estes treinos com este tipo de dispositivos, aquela área do cérebro pode melhorar o seu desempenho. O autismo nunca pode ser totalmente curado, mas pode sempre haver uma intervenção positiva, mesmo que o diagnóstico seja tardio.

Mas nos casos mais severos, em que não há comunicação sequer com as crianças, o que é possível fazer?

Sim, há situações em que não se pode fazer muito. Mas se o caso é tão severo, então não é só autismo e é necessária nova avaliação para identificar exatamente que outros problemas haverá. Pode haver epilepsia não diagnosticada, por exemplo. Um certo número desses casos severos têm epilepsia não diagnosticada. Tenho visto inúmeros casos em que uma vez diagnosticada e medicada a epilepsia, a situação melhora muito. Nos casos mais severos, é necessário fazer mais avaliações. Não se sabia nada disto há 20 anos.

No futuro, como vai desenvolver-se a investigação nesta área do autismo?

Uma das áreas que vai desenvolver-se será, sem dúvida, a que diz respeito a novas formas de treino para as pessoas que não diferenciam emoções faciais, por exemplo. Teremos de identificar biomarcadores para diferentes subgrupos de pessoas com problemas específicos, como este. É preciso encontrar formas de ajudar estas pessoas a treinar as capacidades em falta, ou até encontrar novas medicações.

Da sua experiência em todos estes anos, qual foi o maior avanço conseguido em relação ao autismo?

Foi, sem dúvida, o facto de termos saído de uma situação de total obscuridade para a que temos hoje, em que é absolutamente normal falar disso.

*Reportagem original em: http://www.dn.pt